Os desafios DA DIREITA PARA 2026 | VEJA


Jair Bolsonaro nunca lidou bem com as adversidades e, conhecido por testar limites, quase sempre escapou de punições à altura de suas investidas contra as instituições. Quando era capitão do Exército, publicou um artigo em VEJA reclamando da remuneração da caserna, o que configura quebra de hierarquia militar e lhe rendeu uma curta passagem pela prisão, em 1986. Um ano depois, solto e ainda descontente, ele voltou aos holofotes com um plano incendiário: explodir bombas em quartéis e até num aqueduto a fim de obter reajustes salariais para os colegas de farda. Apesar de suas digitais no planejamento, Bolsonaro foi absolvido pela Justiça Militar e, de quebra, ganhou notoriedade suficiente para trocar a farda por uma eleição para o cargo de vereador no Rio de Janeiro. Daí em diante, conquistou sete mandatos de deputado federal e, com um discurso radical de direita e uso intensivo das redes sociais, elegeu-se presidente da República em 2018.

O poder inebria, e a tentativa de mantê-lo a qualquer preço custou caro ao “mito”, que jamais demonstrou apreço pela democracia. Na última terça, 25, o ministro do STF Alexandre de Moraes decretou o cumprimento imediato da pena de 27 anos e três meses de prisão imposta a Bolsonaro por cinco crimes — entre eles, tentativa de golpe de Estado. Aos 70 anos, ele é o primeiro ex-presidente mandado à cadeia por atentar contra o regime democrático. Desde o fim da ditadura, outros três mandatários foram presos — Fernando Collor de Mello, Lula e Michel Temer —, mas todos por acusações de corrupção.



A SALA-CELA — Polícia Federal: antes de ter decretada a prisão definitiva, o ex-presidente foi detido preventivamente após violar a tornozeleira

A decisão de Moraes ainda determinou o encarceramento de Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa. Todos são generais de quatro estrelas, o topo da carreira militar. Também foi preso o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, que, como os demais fardados, ficará custodiado em instalações das Forças Armadas. O ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi levado a um batalhão da Polícia Militar. Já o ex-chefe da Abin e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) está foragido.

Apontado como o líder da organização criminosa, Bolsonaro teve a prisão decretada em duas etapas. Primeiro, de forma preventiva, após a Polícia Federal alertar para o risco de fuga. Na sexta 21, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) convocara os apoiadores a comparecerem no dia seguinte a uma vigília de orações nas imediações do condomínio onde o pai dele mora. Investigadores viram uma chance real de o ato servir para mobilizar um enorme contingente de pessoas, o que poderia resultar em tumulto e na possibilidade de facilitar uma eventual fuga. Bolsonaro já estava em prisão domiciliar: sua casa era monitorada por policiais 24 horas por dia e ele usava uma tornozeleira eletrônica, o que, em tese, seria suficiente para impedir qualquer tentativa do tipo. Mas um alerta soou, literalmente, quando à 0h08 do dia 22 disparou um alarme no centro de monitoramento avisando que a tornozeleira havia sido violada. Os policiais foram acionados, e Bolsonaro, de início, alegou que havia batido o equipamento na escada. Minutos depois, a responsável pelo centro de monitoração chegou à residência e se deparou com o dispositivo queimado. “Meti um ferro quente aí”, disse ele, numa segunda versão do que teria acontecido. “Ferro de soldar”, detalhou, dizendo que o fez por “curiosidade”.



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Pouco depois das 6h, Bolsonaro foi preso preventivamente e levado à superintendência da PF em Brasília, onde seguirá cumprindo pena, agora em definitivo, em uma sala especialmente preparada para recebê-lo. Em uma terceira versão, apresentada durante a audiência de custódia, responsabilizou a combinação de remédios que está tomando — um antidepressivo e outro usado para dores crônicas — por causar-lhe uma “certa paranoia” e a “alucinação” de que haveria uma escuta instalada na tornozeleira, o que o fez tentar abrir a tampa do equipamento. A história é estranha, mas condiz com o lado paranoico do capitão. No início de sua carreira parlamentar, ainda como um deputado de baixíssimo clero, Bolsonaro fazia vistoria em seu carro cada vez que estacionava em locais públicos porque temia que uma bomba fosse acoplada ao veículo. Ele também preferia tomar água da torneira à armazenada em garrafas na geladeira de sua própria casa por medo de ser envenenado.

A certeza de que era um alvo veio quando, na campanha de 2018, sofreu um atentado a faca, cujos efeitos até hoje são sentidos e resultaram em seis cirurgias no abdômen. No exercício da Presidência, Bolsonaro investiu em equipamentos antiespionagem e antidrone, com pavor de entrar na mira do grupo terrorista Hezbollah, e tinha sempre um provador de comidas para dar a primeira garfada em suas refeições. A despeito de todo o aparato federal de segurança, ele dormia no Alvorada com uma pistola ao alcance da mão. O histórico se encaixa à perfeição no argumento usado para embasar uma suposta desconfiança em relação à tornozeleira. No entanto, os movimentos anteriores para buscar refúgio em embaixadas de nações amigas, como a da Argentina e a da Hungria, aumentaram as suspeitas de que o ex-presidente, muito além de um surto, poderia estar arquitetando um plano para deixar o país. Moraes não quis pagar para ver e decretou a preventiva e, depois, a definitiva.



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Apesar de esperada, a decisão caiu como uma bomba no campo bolsonarista. Lideranças do PL e familiares do capitão se reuniram para traçar uma estratégia de reação e tentar unificar o discurso. No encontro realizado a portas fechadas, a ex-primeira-­dama Michelle Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro choraram ao tratar do estado de saúde do ex-presidente, que tem enfrentado crises de soluço e de refluxo que o deixam sem ar. Já Flávio, alçado a porta-voz do pai de agora em diante, voltou a defender a aprovação de uma anistia aos golpistas. O projeto enfrenta a resistência dos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-­AP), e dificilmente será aprovado conforme a proposta inicial, que prevê um perdão amplo, geral e irrestrito. Um texto alternativo, articulado com a anuência de ministros do Supremo, propõe um novo cálculo das penas, que poderia acabar soltando condenados pelos ataques do 8 de Janeiro e reduzindo a condenação de Bolsonaro para cerca de quinze anos.

O clã Bolsonaro diz que só aceita a anistia ampla, mas, nos bastidores, aliados admitem lutar pela votação de uma redução das penas. Há outra batalha se desenrolando nas trincheiras internas. Os filhos do ex-presidente não querem avançar num ponto que é essencial para os partidos de centro-­direita: a indicação célere do sucessor de Bolsonaro nas urnas. Enquanto líderes do Centrão pressionam para que esse anúncio ocorra ainda neste ano, os rebentos defendem que a decisão fique para 2026. De resto, querem que um deles seja escolhido para integrar a chapa. “É uma tortura, um passo a mais que deram para que ele abra o bico antes. O Bolsonaro tem um poder gigantesco, o eleitorado está com ele, e querem tomar isso. Quando o fizerem, do jeito que as maldades acontecem, ele morre na cadeia”, disse Carlos Bolsonaro a VEJA. O que está em jogo, segundo a família, é a sobrevivência política dos Bolsonaro, que querem ganhar tempo em busca de alguma boia de salvação.



DELÍRIOS — Donald Trump: esperança agora reside na invasão da Venezuela

Parecem poucas as opções. As ruas, ao que tudo indica, não respondem mais. A defesa do ex-­presidente já anunciou que ingressará com um novo recurso no Supremo e também trabalha com apelos a cortes internacionais. A possibilidade de qualquer revisão do veredicto, porém, é praticamente nula. Resta a esperança de que alguma solução venha da Casa Branca. As iniciativas anteriores, no entanto, não mudaram o curso da história. Mesmo submetido à Lei Magnitsky, o ministro Moraes não alterou o seu voto. Outros juízes do STF, afetados com o cancelamento de vistos, também não recuaram. O governo brasileiro, pressionado com altas tarifas de exportação, não mexeu uma palha para interferir no julgamento. Pior: Donald Trump ainda se sentou com Lula e anunciou a retirada de parte das taxações. Como o software bolsonarista roda em torno de conspirações, a esperança da vez reside na torcida pela materialização de um enredo rocambolesco, relacionado ao possível avanço das tropas americanas sobre a Venezuela. Em meio à escalada da tensão, o presidente americano disse que pode resolver a situação com o país vizinho ao Brasil “do jeito difícil”, o que alimenta as especulações entre os bolsonaristas de que o ditador Nicolás Maduro possa ser derrubado e a hecatombe atinja de alguma maneira Lula, que já foi um parceiro fiel do venezuelano, e mude todo o cenário político. É uma história que só faz sentido na cabeça de alguns apoiadores radicais do ex-presidente, quase em negação de uma dura realidade: Jair Bolsonaro, um capitão preparado desde cedo para a batalha, pode chegar ao fim da guerra derrotado, esquecido em uma cela e carimbado como um pária da história.


Publicado em VEJA de 28 de novembro de 2025, edição nº 2972