Como então, agora, manter essa linha de progresso, caso ocorra retomada do tradicionalismo, o que não é impossível, embora improvável? Uma resposta: ser intransigente com o que não pode voltar para trás. Cutucar o vespeiro do abuso sexual infantil por sacerdotes, tema que Francisco encarou ao criar uma comissão interna para auditar igrejas e modernizar o código penal da Cúria, é compulsório. “Quem é considerado culpado por um tribunal deverá pagar sua pena”, anotou o papa, criticando clérigos bons de papo, mas incapazes de desatar o nó da hipocrisia. “Ele mudou as regras do jogo”, disse a VEJA o jornalista italiano Fabio Marchese Ragona, coautor de uma das autobiografias papais. “Nunca tinha visto um papa se encontrar com um embaixador pedindo para interromper uma guerra, como fez no caso da Ucrânia, por exemplo.” Nos últimos dias de vida, do leito do Hospital Gemelli, conversou por telefone com os responsáveis pela paróquia da Sagrada Família da Faixa de Gaza. Queria manter-se informado e apoiar uma causa que abraçou com especial empenho — sem deixar de condenar o terrorismo do Hamas e lamentar a postura agressiva de Israel. O próximo papa, se quiser ter mais fiéis, ou evitar evasão, precisa buscar essa direção, de frugalidade para conversar com quem abandonou os templos do catolicismo, em busca de diálogo (leia na coluna de Vilma Gryzinski). “O momento é incerto, diante dos inúmeros acontecimentos que marcam o cenário global. Ainda assim, a Igreja permanece como instituição dinâmica e resiliente”, diz Michele Dillon, socióloga da Universidade de New Hampshire e autora do livro Catholic Identity: Balancing Reason, Faith, and Power.