No Brasil, figuras públicas costumam imolar o passado em troca de apoio no presente que lhes garanta alguma chance de sucesso no futuro. Esse rito recai, sobretudo, sobre aqueles que precisam convencer a sociedade de que não incendiarão o país com práticas extravagantes. Em 1993, diante da tarefa de explicar ao mercado que o Plano Real, em gestação pelo governo de Itamar Franco, não traria maluquices como o congelamento de preços do fracassado Plano Cruzado, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, teria recomendado a empresários com quem almoçava em São Paulo que esquecessem o que escrevera, referindo-se a seu passado de sociólogo. É verdade que FHC nega, sempre que pode, ser o autor da frase, mas ela faz parte do anedotário político. Seu rival à época, Luiz Inácio Lula da Silva, também renegou sua face radical na eleição de 2002, quando publicou a Carta ao Povo Brasileiro, em que jurava combater a inflação, respeitar contratos e manter as contas públicas em ordem. Guardadas as proporções, a indicação do economista Gabriel Galípolo, 42 anos, para substituir Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central, a partir de janeiro de 2025, desperta a mesma cautela. “O Galípolo vem de uma formação heterodoxa, então sempre fica a dúvida”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. “Alguém com essa trajetória chega ao BC e muda completamente?”